O anúncio do programa Voo Simples ontem (7), feito pelo governo federal, trouxe ao mercado expectativas de mudanças mais profundas no setor e que também influenciem as empresas de grande porte, como Azul, Gol e Latam. Apesar de focar em um primeiro momento no segmento de aviação geral, especialistas viram o programa como um aceno positivo do governo ao setor aéreo como um todo. Muito ainda precisa ser feito e uma série de audiências públicas devem se suceder ao lançamento, para que as soluções propostas ontem possam avançar.
O Voo Simples surgiu com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios. Nesta primeira fase, o programa trouxe um conjunto de 52 medidas para aviação geral, com foco nos profissionais, operadores de aeronaves, instituições de ensino e empresas de pequeno porte. Entre as propostas de mudança estão o fim do prazo de validade da carteira de habilitação de pilotos, tema que ainda será alvo de uma consulta pública tocada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Há muitas dúvidas ainda sobre o que de fato deve sair do programa. O governo anunciou, por exemplo, a simplificação nos processos e regras para empresas de pequeno porte, com a intenção de incentivar a entrada de novos grupos e aumentar a conectividade de cidades que hoje não são atendidas pela aviação comercial. Não há detalhes, entretanto, de como essas mudanças vão ser realizadas. A princípio, os temas vão ser melhor endereçados em consultas públicas a serem feitas pela Anac.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, que representa gigantes do setor como Gol e Latam, viu com bons olhos o programa. "O que eles fizeram hoje [ontem] foi o primeiro capítulo. São 52 itens para desburocratizar o setor. O foco neste momento é a Aviação Geral. A nossa parte [aviação comercial] é a próxima. Há uma perspectiva de se avaliar outras 150 medidas", disse. Sanovicz lembrou que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, fez sinalizações ontem em favor da revisão do custo elevado do combustível de aviação e de tarifas.
A crise da pandemia fez crescer a pressão sobre o governo por medidas para desburocratizar o setor aéreo brasileiro. Pautas como o elevado custo do combustível de aviação, um dos mais caros do mundo, e a adequação de regras aos padrões internacionais são motivo de reuniões em Brasília muito antes do caos provocado pela covid-19.
A pandemia deu força aos pleitos das aéreas. Dados da Anac mostram que a demanda por voos no mercado doméstico do Brasil (medida em passageiros quilômetros pagos, o RPK) apresentou queda de 67,5% em agosto na comparação com igual mês de 2019. O cenário internacional ainda é desafiador, com a demanda recuando 92,1% no mês.
De fato o governo tem se movimentado e, no ano passado, avançou nas mudanças da regulação sobre a bagagem despachada. O tema era uma briga antiga das aéreas. Do outro lado, a ajuda financeira prometida por Brasília via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem sido cada vez menos falada e o setor teve de aprender a se virar sem essa verba.
O Voo Simples foi apontado como um passo importante pelo diretor da Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG), Flávio Pires, mas muito ainda precisa ser feito. "Temos de acelerar o processo normativo e regulatório, abrir consulta pública e por os tópicos com os temas de relevância e prioridade", disse.
Pires destacou que um tema importante ao setor ainda não foi devidamente endereçado: o custo elevado com combustível. "Os programas recentes de redução de imposto sobre o combustível em São Paulo, por exemplo, focaram apenas na aviação comercial. Pagar 25% de imposto sobre gasolina de aviação é muito elevado", disse.
O diretor da ABAG ressaltou ainda que o governo precisa tomar cuidado com as modificações na regulação para não criar um ambiente desigual de competição na aviação geral. "A regulação precisa ser proporcional ao tamanho e também ao risco", disse Pires. Ele usou como exemplo os voos para levar trabalhadores do setor de petróleo às plataformas marítimas, que poderiam ser realizados tanto por empresas grandes quanto por pequenas. "As duas vão ter de seguir os mesmos requisitos de manutenção e seguro, por exemplo, do contrário a menor sairia privilegiada", ponderou.
De acordo com o sócio fundador do Fenelon Advogados e ex-diretor da Anac, Ricardo Fenelon, o programa é ambicioso. "Envolve diversas mudanças de normas técnicas da Anac, diversos procedimentos internos e também mudanças legislativas que dependem do Congresso", disse. A avaliação do especialista é que o Brasil precisa sair da crise do covid-19 mais competitivo. "Não dá mais para o Brasil ser o país que a burocracia e os custos extras são destaque".
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