As construtoras conseguiram uma janela para economizar em alguns distritos da região do Centro da cidade de São Paulo. Isso porque o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, instituído pela lei 17.844/2022, concedeu a empreiteiras que fizerem prédios de habitação de interesse social, restaurações e bens de interesse histórico (como prédios emblemáticos) o direito a uma espécie de bônus de construção.
Isso significa que essas empresas poderão fazer abatimentos no valor das outorgas onerosas cobradas na construção de qualquer imóvel nos distritos de Brás, Belém, Pari, Bom Retiro e Santa Cecília, distritos habitacionais sociais que fazem parte da chamada Área de Intervenção Urbana (AIU) - a região arrecadou R$ 247,7 milhões em outorga entre 2002 e 2021.
A outorga onerosa é um instrumento de política urbana regulamentado de forma nacional pelo Estatuto da Cidade, de 2001, que define a cobrança de contrapartidas de construções acima do que é definido pelo Coeficiente Básico de cada zona da cidade, delimitado pelo Plano Diretor.
No artigo “A Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC): A Experiência de São Paulo na Gestão Pública de Aproveitamentos Urbanísticos”, as urbanistas Camila Maleronka e Fernanda Furtado, do Lincoln Institute, destacam que a ideia do instrumento veio do conceito de Solo Criado, a partir dos anos 1970.
Os valores obtidos por meio do pagamento da outorga devem ser convertidos em algum bem em prol da mobilidade e desenvolvimento urbano, como habitações populares, recuperação ou instalação de equipamentos públicos, infraestrutura urbana e preservação do patrimônio histórico, ambiental e cultural.
O benefício previsto pela nova lei para as construtoras se soma à isenção à outorga paga pelo potencial construtivo adicional já dada ao setor nos distritos da Sé e República. A diferença é que antes da revisão, qualquer tipo de habitação na Operação Urbana Centro (que abraça os dois distritos) era isenta. Agora, a isenção é apenas para habitação de interesse social.
De acordo com a prefeitura, esses bônus serão concedidos por meio de edital de chamamento público, precedido de estudos urbanísticos e econômicos que fundamentarão a escolha da área e da modalidade que será beneficiada, assim como as quantidades de bônus disponibilizadas. Esse mecanismo é regulamentado no artigo 63 da lei nº 17.844 de 2022.
Para a aplicação do bônus, segundo a legislação, devem ser considerados a avaliação dos valores médios de terreno praticados na Área de Intervenção Urbana da região central; a definição da tipologia habitacional incentivada; a viabilidade econômica dos empreendimentos geradores face à expectativa de utilização do bônus equivalente e as linhas de financiamento habitacional de interesse social disponíveis.
O plano diretor de 2014 criou o instrumento Projeto de Intervenção Urbanística (PIU), que em 2022 abraçou a lei de operação urbana centro. Esse instrumento havia sido criado na década de 90, ainda sob gestão de Luiza Erundina (na época do PT). Com isso, os debates envolvendo a região hoje abraçada pelo PIU Setor Centro ficaram de fora da revisão do plano diretor de 2014.
Houve uma tentativa, em 2020, por parte do então prefeito Bruno Covas (PSDB) de retirar a isenção da outorga na Sé e República dentro da revisão do Plano, mas ela foi vetada.
O tema é polêmico uma vez que, ao dar os descontos, a prefeitura abre mão de uma fonte de receita que poderia ser utilizada para obras públicas na região. Com os R$247,7 milhões, por exemplo, seria possível construir 2.172 casas populares na região que sofre com o aumento crescente de pessoas em situação de rua. O cálculo leva em consideração o valor do preço médio para construção de um apartamento de 70m², de acordo com a construtora Setpar.
De um lado, a visão da prefeitura é de que a exclusão da outorga é uma forma de não onerar os projetos e incentivar o aumento populacional e construtivo na região central da capital, trazendo, segundo informado à reportagem, diversos incentivos para a população mais vulnerável, além de ser acompanhado de obras de infraestrutura e melhorias na rede de equipamentos públicos. A expectativa da prefeitura é atrair cerca de 220 mil novos moradores à região.
Entretanto, especialistas argumentam que não há um estudo comprovando, de fato, a inviabilidade dos projetos diante da cobrança de outorga.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Paula Santoro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e coordenadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade ), criticou a medida.
"A prefeitura está abrindo mão de um recurso que poderia ser usado para solucionar os problemas de quem já vive em vulnerabilidade no centros, como os moradores de rua, quem vive em cortiços e ocupações, os usuários da cracolândia. Além disso, a prefeitura não apresenta nenhuma proposta ou resposta eficiente para essas questões", afirma Santoro.
Questionada pela reportagem sobre a falta de comprovação da efetividade da proposta, a prefeitura disse que que “dado o curto período da aprovação da Lei 17.844/2022, ainda não é possível avaliar seus efeitos para além do que foi simulado na concepção do Plano”.
Dados também mostram que a região, por si só, tem se mostrado atrativa à iniciativa privada. Segundo informações do cadastro Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio) publicadas nos Informes Urbanos da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento da prefeitura, em maio de 2018, a Prefeitura Regional da Sé se tornou no período de 2007 a 2016 “um dos principais polos para novos empreendimentos imobiliários” na cidade, com 28.534 novas unidades lançadas, aumento de 57% em relação à década anterior.
Outro informe da secretaria, publicado em agosto de 2018, aponta que a área da Subprefeitura Sé –que engloba os distritos Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé– atraiu o lançamento de 33.582 novas unidades verticais entre 2007 e 2017, o equivalente a 10% do total lançado no município.
“Desde 2014, a Sub Sé vem continuamente ampliando seus índices de participação, atingindo em 2017, cerca de 18% dos apartamentos lançados no município naquele ano, equivalentes a 5.048 novas unidades”, destaca o informe.
Os dados mostram que 40% desses lançamentos foram feitos nos distritos República, que recebeu 7.079 unidades, e Santa Cecília, com 6.264 unidades.
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