Câmara aprova regras para fretamento de ônibus

Projeto é defendido pelas empresas tradicionais de ônibus e criticado por startups do setor

A Câmara dos Deputados desidratou ontem o projeto de lei aprovado pelo Senado que impunha restrições ao funcionamento de empresas de fretamento de ônibus como a Buser, mas aprovou a imposição de alguns critérios para a atividade. As mudanças terão que passar por nova votação dos senadores, que podem rejeitá-las e retomar a versão anterior da proposta, o que causa preocupação a essas empresas.

O projeto é apoiado pelas empresas tradicionais de ônibus, que tem concessões para transportar passageiros em trajetos interestaduais e intermunicipais, diante da concorrência de empresas como Buser, que conseguem oferecer passagens a preços mais baratos ao reunir passageiros por plataformas on-line e fretar um ônibus para fazer o transporte

O relator do projeto, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), negociou com o governo, que é contra a versão do projeto aprovada pelo Senado, e apresentou parecer com poucas mudanças em relação à legislação atual. A maioria dos partidos governistas apoiou a proposta, assim como parte das siglas de oposição.

De acordo com o parecer, as empresas poderão obter autorização para transporte interestadual desde que tenham capital social de pelo menos R$ 2 milhões, atendam a critérios mínimos de segurança e qualidade dos ônibus estabelecidos em regulamentação pelo Executivo e não façam venda individual de passagens - o que hoje não está explícito na lei.

O projeto do Senado fixava uma série de obrigações para a que as empresas recebessem a autorização para operação interestadual, como respeitar um itinerários, horários e frequência mínimos e ter no máximo 40% de sua frota terceirizada. Essas exigências foram excluídas, mas poderão ser exigidas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) previamente à autorização para a atividade.

O relator rejeitou a redução do valor das multas por irregularidades cometidas pelas empresas de ônibus, mas concordou com o fim da taxa de fiscalização do setor, que é questionada judicialmente, o que aliviará parcialmente o caixa das empresas.

Motta disse que o projeto se tornou um meio termo entre os interesses envolvidos. “Buscamos o equilíbrio e priorizar o usuário que precisa de transporte de qualidade e com preço justo, mas com critérios mínimos de segurança”, afirmou. Ele se reuniu antes com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que prometeu trabalhar pela sanção do texto, e disse que o presidente do Senado pautará a proposta para votação hoje.

Deputados contrários disseram que o projeto teve melhorias, mas ainda atrapalhará a concorrência para garantir uma reserva de mercado. “A exigência de viabilidade econômica para liberar a autorização para operação de um trajeto vai na contramão da necessidade de mais concorrência. Ninguém - nem o ministério, nem o governo, nem a ANTT - sabem como será esse estudo”, disse o deputado Vinícius Poit (Novo-SP).

O diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), Flávio Marques Prol, que representa empresas como Buser, FlixBus, Uber e 99, reconheceu que o texto modificado trouxe progresso, mas deixou pontos que considera perigosos. “A primeira questão é a exigência de capital mínimo de R$ 2 milhões, que é uma barreira relevante. A segunda é o estudo de viabilidade econômica. Nenhuma empresa que atua hoje no setor passou por esse tipo de estudo”, disse.

Do outro lado, Letícia Pineschi, conselheira da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), que representa as viações tradicionais, defendeu o projeto. “O relatório consagra o que está definido na Constituição, portanto serviço público regulado pelo Estado na modalidade de contrato que lhe for mais segura”, afirmou. 

Edson Lopes, diretor-geral da startup FlixBus Brasil, disse não acreditar que o texto foi devidamente debatido. “Mas é um passo bom saber que o relator ouviu nossos pontos”, disse.

O projeto como foi apresentado era ainda mais prejudicial à FlixBus. A empresa deixou clara sua intenção de ter autorizações por aqui, mas o projeto a obrigaria a ser dona de 60% da frota a ser usada, algo fora do seu modelo de negócios.

O modelo da FlixBus depende de parceiros autorizados a operar e que são responsáveis pela manutenção. À FlixBus cabe a venda e precificação de passagens. A versão inicial jogaria um balde de água fria sobre a startup alemã ao retirar autorizações da sua parceira no Brasil, a Adamantina.

Apesar das mudanças, o projeto manteve, da versão anterior, a proibição da venda de passagem individual para ônibus fretados. Tradicionalmente, nos fretamentos, a venda é feita a grupos fechados. A comercialização feita individualmente, no chamado “fretamento colaborativo”, é parte considerável do negócio da Buser.

“Mais uma vez, os interesses das velhas empresas de ônibus, que por décadas mantiveram o monopólio do setor de transporte de passageiros, tentam se sobrepor ao interesse público no Congresso Nacional”, afirmou a Buser, em nota, acrescentando que as novas plataformas ampliam o acesso ao serviço.

Reportagem publicada originalmente no Valor Econômico. (Com Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro)

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